O que significa para o Brasil a nova regulação para startups Domingo, 20 de junho de 2021 * Por Mariana Hamar Valverde e Juliana Zanotto Quando o presidente Jair Bolsonaro sancionar o Projeto de Lei Complementar 146/19 que institui o marco legal das startups, o Brasil se alinhará internacionalmente entre os países que fomentam empreendimentos que se focam em ideias inovadoras. Para muitos, isso pode até significar pouco se a perspectiva for a partir da realidade do Vale do Silício, Londres ou mesmo de recém países formados nos Balcãs quando a cultura de conexão digital já era realidade. As intenções pouco comentadas para trazer à tona uma normativa voltada ao ecossistema de startups são mais abrangentes e includentes, mesmo que se localizem, aqui e ali, defeitos que poderão ser revistos a partir da aplicação da norma. A lei é a regulamentação que faltava e reclamada por muitos empresários do setor. O crescimento exponencial de empresas voltadas a atividades inovadoras no Brasil carecia de diretrizes que, de certa maneira, equilibrassem o jogo, garantindo acesso a recursos de modo a minimizar riscos aos investidores, abrindo ampla frente de negócios no setor público, área ainda extremamente carente de aplicações voltadas ao atendimento de demandas da sociedade, seja na educação, na saúde, segurança e tantos outros segmentos essenciais da prestação de serviços à sociedade. Por outro prisma, como tais empresas se diferenciam de outras pela natureza inovadora e por operarem em ambiente de elevada incerteza, apresentando, em contrapartida, alta probabilidade de crescimento relevante em curto espaço de tempo, vinham sendo, de certa maneira, discriminadas. Investimentos na área, embora atrativos, afastam potenciais interessados por apresentar altos riscos. Enfrentava-se, portanto, um tipo de barreira para que a inovação via startups se impusesse em melhor escala. O mindset conservador que ainda domina muitos campos de negócios tece elogios, mas tem ressalvas na medida em que a formalização e consecução necessitam de procedimentos mais ágeis, já que a inovação ocorre em grande velocidade. Daí depreende-se mais uma mudança significativa trazida pelo novo mecanismo legal: segurança jurídica e maior agilidade como elementos basilares para o desenvolvimento de negócios e captação de investimentos. As previsões criadas no marco legal não serão somente aplicadas às empresas criadas a partir de sua promulgação. Empresas de operação recente (com até 10 anos de inscrição no CNPJ), cuja atuação caracteriza-se pela inovação aplicada a modelo de negócios, produtos ou serviços ofertados, também poderão se enquadrar. O empresário individual, a empresa individual de responsabilidade limitada, as sociedades empresárias, as sociedades cooperativas e as sociedades simples poderão se valer das novas disposições legais, desde que não tenham receita bruta superior a R$ 16.000.000,00 no ano anterior. Um requisito importante consiste na obrigatoriedade de a empresa ter como atividade principal a utilização de negócios inovadores para a geração de produtos ou serviços ou estar enquadrada no Inova Simples, regime especial que fixa um rito sumário para abertura e fechamento de empresas. Dentre as inovações promovidas pelo Projeto de Lei, destacamos as seguintes: INVESTIDORES-ANJO O ‘Investidor-Anjo’ passa a ser formalmente reconhecido, sendo que os investimentos poderão ser realizados tanto por pessoas físicas quanto pessoas jurídicas. Como consequência, as startups poderão contar com aporte de recursos financeiros, sem que os investidores necessariamente participem do quadro societário. Isso gera maior proteção e segurança ao investidor, que não terá de responder por qualquer dívida da empresa, inclusive em casos de recuperação judicial (a não ser em hipóteses que o investidor agiu com dolo ou cometeu fraude ou simulação). Em contrapartida, o investidor não tem direito de gerência ou voto na administração, podendo, contudo, participar de deliberações de forma consultiva e ter acesso a todas as informações financeiras e contábeis da empresa. Caso o titular do investimento, eventualmente, tenha interesse em participar ativamente na empresa, poderá converter o instrumento de aporte em efetiva e formal participação societária. PARTICIPAÇÃO VIA FUNDOS Outro importante fator trazido pelo PL para a captação de recursos é a possibilidade de que empresas que sejam obrigadas a investir em pesquisa e desenvolvimento possam fazer isso em relação às startups via fundos patrimoniais ou fundos de investimento em participação (FIP) nas categorias capital semente, empresas emergentes e com produção econômica intensiva em pesquisa, desenvolvimento e inovação. LICITAÇÕES O marco legal confere uma modalidade de licitação especial para as startups criarem e testarem soluções inovadoras. O processo administrativo será mais simples e por ser aberto somente a startups, permitirá que empresas menores ganhem espaço e encontrem novas respostas aos problemas do país. AMBIENTE REGULATÓRIO Visando fomentar a inovação, o PL destrava as regulações às quais a startup estará sujeita. Referido processo é conhecido como sandbox regulatório, muito comum no exterior. O sandbox permite que a administração pública afaste a incidência de normas regulatórias, não configurando, contudo, uma desregulação geral, visto que não alcançará todas as empresas. Pelo sandbox, a administração pública poderá afastar a incidência de certas normas, estabelecendo critérios diferenciados para seleção ou qualificação de empresas que se enquadrem como startups, bem como a duração e o alcance da suspensão das normas. Diante das mudanças acima apontadas, o PL, uma vez sancionado, representará grande avanço ao setor das startups no Brasil, mediante a criação de um ambiente favorável ao fomento e crescimento destas empresas e, consequentemente, do mercado voltado aos produtos e serviços inovadores. Isso mostra a excelente intenção do legislador em seguir a tendência mundial de se garantir maior segurança jurídica e agilidade ao universo das startups, o que provoca aumento no volume de investimentos e na geração de tecnologias e soluções inovadoras. ________________________________________ * Mariana Hamar Valverde, sócia, e Juliana Zanotto, advogada, de Moreau¦Valverde Advogados.