A leitura de As letras da lei, conjunto de contos de diversos autores organizados por Pierre Moreau, apresenta um resultado impressionantemente positivo.
Quanto um grupo de operadores do direito se reúne para fazer literatura, de cara sabemos que estamos lidando com amadores, nos dois sentidos da palavra: dedicam-se, por amor, a uma atividade que não são profissionais.
Embora todos vivam sobretudo do que escrevem, nenhum deles vive de escrever ficção – na verdade, são autores de peças não apenas não-ficcionais, mas também peças marcadas pela funcionalidade: como procuradores, advogados ou juízes, atuam num meio em que a escrita tem um objetivo claro: sugerir, evitar ou decidir a mediação e a intervenção do poder do Estado na vida de réus, clientes ou partes.
Essa introdução serve para dizer que, em casos semelhantes, nem sempre o desejo de fazer literatura resulta em boa literatura. E, nesse sentido, a leitura de As letras da lei, conjunto de contos de diversos autores organizados por Pierre Moreau, apresenta um resultado impressionantemente positivo.
Claro que há contos melhores e piores, mas a média é muito alta. E não há história ruim: o processo que se mistura a uma lembrança erótica em “O ombro de A.”, de Eros Grau; o passeio por Paris de Eduardo Muylaert em “O número 36”; a transitoriedade da vida e da morte em “Todas as Manhãs”, de José Alexandre Tavares Coelho; o peso do anel de rubi de Miguel Reale Júnior; a violência do interrogador expressa por Luís Francisco Carvalho Filho; o divórcio outonal de Luciana Gerbovic; o humor de Luiz Kignel em “Sentença é lei entre as partes”; a memória da tortura em “Guerino”, de José Gregori; a “quase normalidade” da vida de juiz, no texto de José Renato Nalini; as rivalidades da sociedade em “Firma”, de Marcelo S. Barbosa; a ideia de abandono, em “Flor”, de Pierre Moreau; e as palavras retorcidas pela culpa em “Indestino”, de Denis Borges Barbosa.
Os doze contos são todos interessantes individualmente, mas não chegam a formar um conjunto. Há estilos diversos, e como os textos são curtos, uma transição rápida entre eles. Isso facilita a leitura do pequeno volume, uma vez que a ordem dos contos não precisa ser seguida. Lidos aleatoriamente, os textos são tão interessantes quanto lidos em sequência.
A experiência profissional, o dia-a-dia do direito, deixa, claro, marcas. Elas se expressam numa espécie de busca de sentido para situações cotidianas, em que a alienação do trabalho busca respostas que aproximem nomes e situações da vida real. No conto do ex-ministro do STF Eros Grau, por exemplo, há a ruptura da suposta impessoalidade dos julgamentos; na história do ex-ministro da Justiça José Gregori, a busca de humanidade, coroada por uma citação bastante conhecida, e portanto não muito original, numa figura que personifica, tanto pelo que fez (torturador) quanto pelo que faz (açougueiro), a desumanização.
Dois autores já conhecia, por conta da vida profissional de crítico literário e editor: Carvalho Filho, autor do livro de contos Nada mais foi dito nem perguntado (ed. 34), e Luiz Kignel, do romance policial A morte tudo resolve (Alameda). Deles, já esperava coisa boa. A surpresa veio dos demais.