Os inúmeros escândalos da empresa mostram descompromisso com a proteção do usuário e o uso de brechas nas legislações Tempo de leitura: 6 minutos por bruna giorgi 7 de setembro de 2022
Iniciado como um projeto universitário em 2004, a empresa Facebook – que desde outubro de 2021 se chama Meta – acumula processos e escândalos durante toda a sua trajetória. Quem assistiu ao filme “A Rede Social”, de David Fincher, sobre a origem da empresa sabe que questionamentos legais não são novidade para Mark Zuckerberg que, para alguns, montou seu império a partir de práticas inconstitucionais, se aproveitando de brechas de um setor ainda em construção, que é a internet. “O Direito, em regra, não consegue acompanhar a evolução do mundo real. No ambiente de tecnologia, essa defasagem é ainda mais evidente. De modo geral, vem atuando de modo repressivo, quando as infrações já se tornaram comuns no dia a dia”, explica Kristian Pscheidt, sócio do escritório Costa Marfori Advogados. Alguns exemplos desse delay é a Lei Carolina Dieckmann (Lei nº 12.737/2012); o Marco Civil da Internet ( Lei nº 12.965/2014); e a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei nº 13.709/2018 ou LGPD). Os abusos da organização, que agrega o Instagram e WhatsApp, vão desde experimentos psicológicos não autorizados à violação de dados dos usuários para campanha política. Um dos últimos escândalos, ocorrido em outubro de 2021, apelidado de Facebook Papers, pode ter sido o gatilho para Mark Zuckerberg trocar o nome da empresa para Meta, anunciando um novo caminho para a marca: o metaverso. No Brasil e na maior parte do mundo, não se tem legislações específicas sobre esse ambiente. De acordo com Adriano Mendes, advogado especializado em Direito Digital do escritório Assis & Mendes, os dispositivos das legislações existentes e os princípios constitucionais servem como trunfo para garantir os direitos dos consumidores e das partes interessadas neste contexto. “Ocorre que, por se tratar de algo novo, também precisaremos de uma jurisprudência e entendimento mais específico sobre esse cenário, o que, invariavelmente, pode beneficiar as plataformas ou até mesmo adiar condenações às plataformas no caso de desrespeito aos direitos dos consumidores de forma geral”, completa Adriano Mendes. “No entanto, mesmo as técnicas mais avançadas são incapazes de proteger de forma absoluta os sistemas de dados das empresas cujos modelos de negócio, muitas vezes, dependem da interface virtual com o grande público”, aponta Antonielle Freitas, advogada da Viseu, especialista em Compliance Digital, Proteção de Dados, Segurança Cibernética, responsabilidade civil relacionada à Internet e assuntos de tecnologia. A especialista comenta que a atual legislação não é capaz de superar esses desafios. “Em muitos países, especialmente nos EUA, já há debates sobre a criação de uma regulação exclusiva do metaverso, sem levar em consideração leis nacionais, visto a ausência de critério para definir jurisdições em caso de conflitos”, completa. Se você não se lembra de como foram alguns escândalos do Facebook, selecionamos três que obtiveram holofote e esbarram na segurança digital. Experimento controverso do Facebook Em janeiro de 2014, a rede social fez um experimento emocional com quase 70 mil usuários. Por meio dos algoritmos, os engenheiros manipularam tipos de mensagens: para um grupo conteúdo negativo; e para outro, positivo. No fim da pesquisa sem autorização se percebeu que as pessoas que viam o material triste postaram mais fotos, vídeos ou textos com um emocional mais melancólico. O experimento foi publicado em junho do mesmo ano na Proceedings of National Academy of Sciences e contestado por se tratar de um estudo que infringe a proteção ao cliente por não ser consentido. De acordo com o The Wall Street Journal, a chefe operacional do Facebook na época, Sheryl Sandberg, pediu desculpas em uma conferência em Nova Deli. “Isso fazia parte da pesquisa em andamento que as empresas fazem para testar diferentes produtos, e era isso”, argumentou a chefe, que no meio deste ano deixou a empresa. Fake News em eleições Imagina só: o site da tia da rede social ter mais engajamento que links de notícias dos principais veículos de comunicação dos Estados Unidos? Em 2016, em uma análise detalhada do BuzzFeed News apontou que as informações de sites de jornalismo profissional, como New York Times, Washington Post, Huffington Post, NBC News, sobre eleições norte-americana tiveram menos acessos que de blogs e páginas de fake news. De acordo com os dados, durante o período de campanha presidencial, 20 histórias falsas de sites não confiáveis e partidários obtiveram 8.711.000 compartilhamentos, reações e comentários no Facebook. Esse cenário se tornou comum nos últimos anos, principalmente com redes sociais do grupo (como WhatsApp) e o Telegram, mas fez o CEO Mark Zuckerberg pedir desculpas e dizer que a plataforma precisa disponibilizar ferramentas que contribuam com esse tipo de coisa. “As Fake News crescem exponencialmente com a facilidade de disseminação e divulgação por diversos meios digitais. (.) A legislação civil e criminal estabelece sanções à propagação de fake News, que podem implicar em condenação criminal e a indenização no âmbito civil”, esclarece Mariana Valverde, professora e advogada especializada em propriedade intelectual e Fashion Law, sócia de Moreau Valverde Advogados. O advogado Kristian Pscheidt destaca também a Lei Eleitoral que age em quem tem mandato e dissemina notícias falsas. “Há mecanismos legais para o enquadramento legal da fake news, mas o grande problema está relacionado ao volume das ofensas, a fiscalização ainda incipiente e à demora do Poder Judiciário. Essas situações passam a impressão de impunibilidade dos agentes infratores”, esclarece. Violação de dados No início de 2018, o Facebook admitiu ter manipulado dados de mais de 50 milhões de usuários que foram obtidos indevidamente pela empresa de análise de dados políticos Cambridge Analytica. Meses após o reconhecimento, o número de usuários com seus dados violados aumentaram para 87 milhões. A consultoria capturou informações do usuário e seus amigos por meio de um app externo de teste de personalidade dentro do Facebook, o This Is Your Digital Life, contrapondo com a cibersegurança. Em março de 2018, o Guardian e The New York Times entrevistaram Christopher Wylie, cientista que trabalhava na empresa britânica e ajudou a construir o software de mineração de dados. A Cambridge Analytica, segundo Christopher Wylie, usou informações pessoais dos usuários para criar um sistema de análise. A ferramenta possibilitou construir o perfil dos eleitores norte-americanos e direcionar propagandas políticas. “Nós exploramos o Facebook para colher os perfis de milhões de pessoas. E construímos modelos para explorar o que sabíamos sobre eles e atacar seus demônios internos”, revelou o cientista para o Guardian. A NBC descobriu e-mails que mostram a comunicação de funcionários do Facebook com Cambridge Analytica em setembro de 2015. A Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) condenou o Facebook a pagar uma multa de R$ 6,6 milhões pelo vazamento de dados de usuários brasileiros na rede social. Esses dados foram repassados em 2018 à empresa de consultoria de marketing político Cambridge Analytica. “Atualmente, a jurisprudência pátria orienta no sentido de que o vazamento de dados enseja reparação individual ou coletiva, desde que comprovada a ocorrência de dano ao consumidor, especialmente quando se tratem de dados sensíveis”, explana Antonielle Freitas. Conforme Kristian Pscheidt é a LGPD que disciplina a questão, que pode prever multa de até 50 milhões de reais pelo vazamento de dados. Em agosto, o Facebook chegou a um acordo preliminar em um processo movido contra a empresa com um pedido de indenização por permitir o acesso aos dados privados de usuários a terceiros (incluindo a Cambridge Analytica). Os valores não foram revelados. O que esperar da Meta para o futuro? A troca do nome de Facebook para Meta, oficialmente, tem relação com o direcionamento dos negócios ao metaverso. O primeiro produto lançado na realidade virtual é o jogo Horizon Words. Mas o que esperar dessa ferramenta nas mãos de uma empresa que abusa do poder de dados e informações? Nesse universo, já se discute sobre a pirataria virtual e a violação de dados, mas, segundo Adriano Mendes, já existem projetos de leis tramitando que procuram regular NFTs, criptomoedas, direitos de crianças e adolescentes no ambiente online e também para buscar aumentar a responsabilidade dos provedores e plataformas sobre o conteúdo divulgado em suas redes. A LGPD possui brechas importantes, como ao que concerne aos direitos dos titulares e também a transferência internacional de dados. Esta última uma fresta que se compatibiliza com os escândalos do Facebook nos quase vinte anos de existência. “Um dos maiores desafios do metaverso serão as provas do que de fato aconteceu. Apesar de tudo poder ficar documentado, inclusive até mesmo registrado com blockchain, as empresas deverão demonstrar que o consumidor sabia o que estava fazendo, que foi suficientemente alertado dos riscos e que os fatos alegados são lícitos e não violam a legislação brasileira”, sustenta o advogado do escritório Assis & Mendes. Essas provas necessárias exigirão análises periciais e procedimentos judiciais mais complexos até que seja criada uma jurisprudência e entendimento deste tipo de ação. O termo de uso das redes e produtos do metaverso precisam ser muito bem claros e não devem violar as leis brasileiras. Mariana Valverde sugere a consulta da cartilha elaborada pelo Conselho Nacional de Defesa do Consumidor, em parceria com a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD). Com linguagem simplificada, o manual reúne informações com dicas e orientações sobre as relações de consumo e conceitos básicos da LGPD. “Além disso, foi criada uma plataforma para resolução de conflitos de forma extrajudicial, disponível em consumidor.gov.br”, completa a sócia do Moreau Valverde Advogados.