Se governo levar adiante recomendação da equipe de transição, companhia pode ser alvo de denúncias à CVM e de processos de minoritários O GLOBOPublicado em 28.dez.2022 às 06h40 Prédio da Eletrobras, no Centro do Rio Foto: Arquivo/O Globo O governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) avalia aumentar o poder de influência sobre a Eletrobras, que foi privatizada em junho. A União ainda detém 42,7% das ações da empresa, considerando não só a sua própria fatia, como também as de BNDES e BNDESPar. A intenção de ampliar seu poder de interferência na companhia consta no relatório final do grupo de Minas e Energia da transição, obtido pelo GLOBO. Mesmo com mais de 40% do capital, na prática, a lei limita a 10% o poder de veto de qualquer acionista ou grupo de acionistas, independentemente da participação acionária. Isso acontece porque com a oferta de ações no mercado que viabilizou a privatização, a Eletrobras se tornou uma corporação, uma companhia sem controlador definido, com ações listadas nas Bolsas de São Paulo, Madri e Nova York. “Inquieta e deve ser foco de atenção a perda por parte da União da possibilidade de influenciar os rumos da Eletrobras apesar de continuar sendo o maior acionista da empresa”, afirma o relatório. O texto acrescenta que a União perderá o poder de influenciar os rumos da empresa de forma proporcional às ações que detém, o que pode implicar em prejuízo para a União. E recomenda: “analisar a viabilidade econômica, jurídica e política da adoção de medidas que permitam que a União tenha voto proporcional ao número de ações ordinárias”. Para analistas, se o governo levar adiante a recomendação do relatório, estaria violando não só as políticas de governança da empresa, mas também a segurança jurídica, afugentando investidores internacionais. Além disso, abriria espaço para uma leva de ações judiciais de investidores minoritários que poderiam se sentir enganados após a pulverização do controle da empresa, avaliam advogados especializados em Direito Societário. Adiar assembleias O grupo quer solicitar à administração da Eletrobras a postergação de assembleias até que “o novo governo tenha condição de avaliar se os interesses da União estão sendo preservados”. E cita a necessidade de avaliar consequências do poder de mercado na mão de um único agente econômico privado. Para angariar apoio no Congresso, a lei de privatização da Eletrobras determinou a contratação de 8 mil megawatts de energia por meio de termelétricas a gás natural, mas a maioria está prevista em regiões sem o insumo. A equipe de transição calcula que isso representa custo adicional de R$ 367,9 bilhões a serem pagos pelos consumidores e, em razão disso, busca alternativas legais para impedir essa contratação de energia. O documento põe em dúvida um ponto fundamental da privatização: o processo de mudança na forma como a empresa vende sua energia. Ao transferir a empresa ao setor privado, foi permitida uma mudança no modelo de remuneração da energia gerada pela companhia: sai de cena o preço fixo e entra o valor de mercado. O grupo de trabalho quer postergar esse calendário, o que afetaria o fluxo de caixa da empresa. A alteração sugerida pela transição poderia ser feita por mudança na lei, por medida provisória ou projeto de lei. Além da fatia de 42,7%, a União ainda detém uma golden share, ação de classe especial que permite ao governo vetar mudanças estratégicas. O advogado Pierre Moreau lembra que a Eletrobras é concessionária de serviços públicos de energia elétrica. Portanto, o governo poderia evocar cláusulas da Lei Geral de Concessões, do estatuto e do acordo de acionistas, para justificar a interferência. – A União pode recorrer a esses ‘superpoderes políticos’ da golden share para dizer que a empresa não está indo de acordo com interesses nacionais – diz Moreau, lembrando porém que, por se tratar de empresa de controle pulverizado, isso afetaria a governança da Eletrobras e abriria caminho para ações de minoritários questionando seus direitos. O advogado Gabriel de Britto Silva, especializado em direito societário, diz que se o novo governo levar adiante a recomendação, a conduta poderia ser configurada como “gestão temerária, com elevado risco”, sendo capaz de colocar em perigo a estratégia e a saúde financeira da empresa: – Representaria influência e pressão indevidas, violando frontalmente a segurança jurídica, o que seria péssimo não só para a Eletrobras, mas para o país, que necessita de investimento estrangeiro, e, ainda, para o novo governo, que já no início de mandato cairia em descredito perante investidores nacionais e internacionais. Direito de minoritários Britto Silva observa que as assembleias são convocadas pelo Conselho de Administração, mas havendo pressão do governo sobre conselheiros e diretores executivos não seria impossível que fossem adiadas, prejudicando as decisões da companhia. Para o advogado, se o quadro se confirmar, a violação de políticas de governança poderia ser denunciada à Comissão de Valores Mobiliários (órgão regulador do mercado brasileiro) e à Securities and Exchange Commission (regulador do mercado americano). Poderiam ser aplicadas sanções: advertência, multa e até suspensão dos papéis. O advogado acrescenta que acionistas minoritários, que aplicaram FGTS nas ações da empresa em busca de um melhor rendimento, poderão se sentir “enganados” pela União e buscar ressarcimento de possíveis prejuízos na Justiça. Por Manoel Ventura e João Sorima Neto – Brasília e São Paulo