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Em 2005, fui surpreendido por um telefonema de um cliente que solicitou nossos trabalhos para o trâmite de desocupação do imóvel que, por muitos anos, serviu como sede da instituição financeira Banco Santos em São Paulo. Essa operação, com certeza, não seria trivial. Antes de mais nada, era necessário que o locatário – representado por seu liquidante – agisse com muita cautela, por se tratar sobretudo, da retirada do acervo de obras de arte de valores altíssimos que pertenceram à Cid Collection e ao acervo da Escrita da Memória, cuja exposição eu tive a chance de visitar, e que estava sendo exibida naquela mesma época. A exposição Escrita da Memória por si só, já era algo grandioso. Leandro Karnal com a sua curadoria, trouxe aos visitantes uma deliciosa viagem ao tempo de 5 mil anos, com centenas de objetos e documentos que nos levaram do berço dos registros humanos, antes mesmo da escrita propriamente dita ter sido criada, até os dias atuais. Só de imaginar em desmontar todo esse acervo já era complexo, desocupar o edifício com obras e móveis valiosos, era um desafio extra. Parte do acervo da Cid Collection estava no edifício sede do Banco Santos. Uma logística delicada foi elaborada e deveria funcionar com praticidade: milhares de peças que estavam no imóvel foram transportadas para um depósito onde o Banco Santos, em liquidação, guardou todos os itens. Diversos profissionais estavam empenhados em proteger o patrimônio e transportá-lo de forma segura. A coleção era importante e com relevância nacional e internacional. Foi algo extraordinário e inesquecível. Ainda lembro da cena com dezenas de caminhões e guindastes que circulavam pela Marginal Pinheiros. Foi uma combinação de logística e estratégia que não podia falhar. De acordo com Vânio Aguiar, liquidante do Banco Santos, as primeiras obras da coleção que foram alienadas estavam no exterior. Um fato serviu de exemplo para mostrar a grandiosidade dos acontecimentos narrados por aqui: a venda do quadro Hannibal, do artista norte americano Jean-Michel Basquiat (1960-1988), foi leiloada pela Sothebys em 2016, e vendida pelo valor de 10.565 milhões de libras esterlinas, após não ter recebido nenhum lance no leilão anterior realizado em 2015. A venda do Hannibal foi fundamental para a análise criteriosa das obras que estavam sendo periciadas aqui no Brasil, antes de serem valoradas para os leilões que viriam a seguir. Como nada é simples – muito menos neste caso – vendas de bens apreendidos em falências e recuperações judiciais não são processos ágeis. No entanto, uma ajuda muito bem-vinda propiciou a rapidez das vendas: a implementação da lei 11.101/2005, que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, que acelerou o processo de liberação da penhora para ressarcimento de credores antes da finalização do pedido de falência. Após o pedido de falência, a Justiça Federal apreendeu o acervo e nomeou alguns museus como depositários. Em seguida, a massa falida do Banco Santos recorreu ao STJ e solicitou que a ação fosse devolvida à esfera estadual. As obras então foram catalogadas, registradas e armazenadas pelo MAC – Museu de Arte Contemporânea. As obras compunham um acervo particular, portanto a destinação dos recursos provenientes da venda deveria permanecer no âmbito privado, e não no âmbito público. Dessa forma, coerentemente, a verba das vendas necessitava ser destinada aos credores, e não à União. Durante os últimos quinze anos, o acervo permaneceu no MAC, e de acordo com informações do museu, teria custado aproximadamente 20 milhões de reais. Em 2016 aconteceu o primeiro leilão no Brasil. O hotel Unique, em São Paulo, foi o palco do pregão sob o comando de Aloísio Cravo. No evento, lances certeiros como a venda de Vestal Reclinada com Pássaro, de Victor Becheret, arrematado por 2,7 milhões de reais deu o tom de que o jogo estava apenas começando. A quantia total arrecadada neste leilão rendeu 12 milhões de reais. Finalmente, um dos leilões mais aguardados com o restante do acervo foi organizado por James Lisboa em São Paulo e esquentou mais ainda este mercado. Quase duas mil peças já foram arrematadas online e por telefone, que causou a aceleração do uso da tecnologia no mercado de venda e compra de obras de arte. Mesmo com a tentativa de Edemar Cid Ferreira impedir judicialmente a venda das peças e solicitar a doação das mesmas para os museus em questão – Edemar entrou com uma ação, mas não obteve êxito – o leilão foi um sucesso de lances e vendas, mesmo porque, seus valores não haviam sofrido nenhum reajuste desde sua avaliação há 15 anos. Nomes como Frank Stella, Tarsila do Amaral e Tunga passaram por lá, e quem diria, foram arrematados através de uma plataforma digital. O estudo da obra Operários de Tarsila do Amaral teve como lance inicial a quantia de 32 mil reais e foi arrematada por 1,2 milhão de reais. Um dos sinais evidentes que o mercado aqueceu e que o colecionador de arte não perde uma boa oportunidade. Este leilão foi um avanço para os que ainda temiam em fazer lances online. Foi um divisor de águas nesse aspecto e salientou as transações virtuais no ambiente de arte. Em breve teremos a ArtRio, que acontecerá no Rio de Janeiro em outubro de forma dupla: vendas presenciais e online. Será uma boa oportunidade para avaliar se essa mudança de hábito consolidará neste mercado.