A decisão da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça que estabeleceu que é possível que os cônjuges unidos sob o regime de separação obrigatória de bens (Código Civil, artigo 1.641) estabeleçam, em acréscimo a esse regime protetivo, um pacto antenupcial, foi elogiada por advogados especialistas no tema. Com a jurisprudência nova, ficou a incidência da Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual, no regime de separação obrigatória – também chamado de separação legal -, comunica-se o patrimônio adquirido na constância do casamento. Para a advogada Isabela Nascimento, do Perdiz de Jesus Advogados, a decisão dá maior segurança jurídica aos interessados na segregação e preservação do patrimônio. “A decisão em questão confirma a possibilidade de as partes exercerem sua vontade de forma autônoma no âmbito das relações privadas, e, ratifica a possibilidade de os nubentes celebrarem acordo sobre a forma que desejam dispor sobre a divisão do patrimônio que lhes pertence, ratificando a utilidade do pacto antenupcial nos planejamentos que tenham por objetivo garantir maior preservação aos herdeiros, não apenas com relação aos bens envolvidos, como também aos transtornos e desgastes que uma disputa litigiosa pode envolver.” Segundo o advogado Pierre Moreau, sócio do Moreau Valverde Advogados, a 4ª Turma do STJ está absolutamente correta, pois os cônjuges pactuaram, conjuntamente, que os bens adquiridos na constância do casamento não deveriam ser atribuídos ao patrimônio comum do casal. “A decisão é muito importante para destacar a relevância em se permitir que os próprios nubentes decidam a respeito das questões patrimoniais relativas ao seu casamento. Notadamente, a decisão do STJ permite, com clareza, que os noivos afastem qualquer tipo de comunhão, mesmo quando adquirirem bens com os frutos do seu esforço comum, o que reforça a ideia de que, nesses casos, o proprietário do bem será aquele que constar do instrumento contratual de aquisição”, diz Moreau. Para o advogado, a matéria é “nitidamente infraconstitucional”, não devendo subir para o STF. No entendimento da advogada Luciana Lorenti, membro do FCAM Advogados, a decisão irá atingir não apenas famílias com muitos recursos financeiros. “Embora seja um assunto de grande interesse de famílias detentoras de grandes fortunas, nos parece que a tendência será o aumento nas discussões judiciais sobre o tema, pois é um tema de interesse para todos os que buscam por planejamentos familiares sucessórios, já que, de maneira geral, busca-se evitar a comunicação de patrimônio com os cônjuges, noras, genros, etc, e esse precedente pode dar força aos planejamentos que implementam pactos antenupciais restritivos/protetivos, por exemplo, afastando o direito a herança”, diz Luciana. A decisão A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso de uma herdeira para remover a viúva do seu pai da inventariança, reconhecendo como válido o pacto antenupcial de separação total de bens celebrado pelo casal. O recurso teve origem em pedido de inventário ajuizado pela viúva. O juízo de primeiro grau acolheu a impugnação dos herdeiros para excluí-la da meação ou partilha dos bens deixados pelo falecido e removê-la da inventariança. O Tribunal de Justiça do Paraná, apesar de reconhecer o caráter restritivo do pacto antenupcial, manteve a viúva na função de inventariante. Em escritura pública celebrada em 2014, o casal declarou que mantinha união estável desde 2007, quando ele contava 77 anos e ela, 37. A união estável deveria observar o regime da separação obrigatória de bens, mas as partes firmaram o pacto antenupcial que estipulava termos ainda mais protetivos. Interpretação do STJ O relator do recurso no STJ, ministro Luis Felipe Salomão, explicou que o Código Civil, em exceção à autonomia privada, restringiu a liberdade de escolha do regime patrimonial dos noivos em certas circunstâncias – como no caso de pessoa maior de 70 anos -, reputadas pelo legislador como essenciais à proteção de determinadas pessoas ou situações, as quais foram dispostas no artigo 1.641. Especificamente quanto ao regime legal relacionado à idade (inciso II do artigo 1.641), o ministro lembrou que o STJ já reconheceu que a norma se estende à união estável (REsp 646.259). A 2ª Seção, ressaltou, em releitura da Súmula 377 do STF, decidiu que, no regime de separação legal, comunicam-se os bens adquiridos na constância do casamento (ou união estável) desde que comprovado o esforço comum para a sua aquisição (EREsp 1.623.858). Segundo o magistrado, em 2016, o STJ também afastou “a obrigatoriedade do regime de separação de bens quando o matrimônio é precedido de longo relacionamento em união estável, iniciado quando os cônjuges não tinham restrição legal à escolha do regime de bens” (REsp 1.318.281) – entendimento consagrado no Enunciado 261 da III Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal.